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exercício das minhas competências próprias, que
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em nenhum momento queira dar ao público a impressão de que a câmara
municipal não passa de mais um instrumento da sua política repressiva, com
perdão da palavra, em primeiro lugar porque não é verdade, e em segundo lugar
porque não o será nunca, Temo não o compreender, ou compreendê-lo
demasiado bem, Senhor ministro, um dia, não sei quando, a cidade voltará a ser a
capital do país, É possível, não é certo, depende de até onde queiram chegar com
a rebelião, Seja como for, é preciso que esta câmara municipal, comigo aqui ou
com qualquer outro presidente, jamais possa ser olhada como cúmplice ou co-
autora, mesmo que apenas indirectamente, de uma repressão sangrenta, o
governo que a ordene não terá outro remédio que aguentar-se com as
consequências, mas a câmara, essa, é da cidade, não a cidade da câmara,
espero ter sido suficientemente claro, senhor ministro, Tão claro que lhe vou fazer
uma pergunta, Ao seu dispor, senhor ministro, Votou em branco, Repita, por favor,
não ouvi bem, Perguntei-lhe se votou em branco, perguntei-lhe se era branco o
voto que pôs na uma, Nunca se sabe, senhor ministro, nunca se sabe, Quando
tudo isto terminar, espero vir a ter consigo uma longa conversa, Às suas ordens,
senhor ministro, Boas tardes, Boas tardes, A minha vontade seria ir aí e dar-lhe
um puxão de orelhas, Já não estou na idade, senhor ministro, Se alguma vez vier
a ser ministro do interior, saberá que para puxões de orelhas e outras correcções
nunca houve limite de idade, Que não o ouça o diabo, senhor ministro, O diabo
tem tão bom ouvido que não precisa que lhe digam as coisas em voz alta, Valha-
nos então deus, Não vale a pena, esse é surdo de nascença.
Assim terminou a elucidativa e chispeante conversação entre o ministro do interior
e o presidente da câmara municipal, depois de terem esgrimido, um e outro,
pontos de vista, argumentos e opiniões que, com todas as probabilidades, terão
desorientado o leitor, já duvidoso de que os dois interlocutores pertençam de
facto, como antes pensava, ao partido da
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direita, aquele mesmo que, como poder, anda a praticar uma suja política de
repressão, tanto no plano colectivo, submetida a cidade capital ao vexame de um
estado de sítio ordenado pelo próprio governo do país, como no plano individual,
interrogatórios duros, detectores de mentiras, ameaças e, sabe-se lá, torturas das
piores, embora mande a verdade dizer que, se as houve, não poderemos
testemunhar, não estávamos presentes, o que, reparando bem, não significa
muito, porquanto também não estivemos presentes na travessia do mar vermelho
a pé enxuto, e toda a gente jura que aconteceu. No que ao ministro do interior se
refere, já deverá ter sido notado que na couraça de guerreiro indómito que, em
surda competição com o ministro da defesa, se esforça por exibir, há como que
uma falha subtil, ou, para falar popularmente, uma racha onde cabe um dedo. Não
fora assim e não teríamos tido que assistir aos sucessivos fracassos dos seus
planos, à rapidez e facilidade com que o gume da sua espada perde o fio, como
neste diálogo se acabou de confirmar, que, tendo as entradas sido de leão, foram
as saídas de sendeiro, para não dizer coisa pior, veja-se por exemplo a falta de
respeito demonstrada ao afirmar taxativamente que deus é mouco de nascença.
Quanto ao presidente da câmara municipal, usando as palavras do ministro do
interior, alegra-nos verificar que viu a luz, não a que o dito ministro quer que os
votantes da capital vejam, mas a que os ditos votantes em branco esperam que
alguém comece a ver. O mais corrente neste mundo, nestes tempos em que às
cegas vamos tropeçando, é esbarrarmos, ao virar a esquina mais próxima, com
homens e mulheres na maturidade da existência e da prosperidade, que, tendo
sido aos dezoito anos, não só as risonhas primaveras do estilo, mas também, e
talvez sobretudo, briosos revolucionários decididos a arrasar o sistema dos pais e
pôr no seu lugar o paraíso, enfim, da fraternidade, se encontram agora, com
firmeza pelo menos igual, repoltreados em convicções e práticas que, depois de
haverem passado, para aquecer
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e flexibilizar os músculos, por qualquer das muitas versões do conservadorismo
moderado, acabaram por desembocar no mais desbocado e reaccionário
egoísmo. Em palavras não tão cerimoniosas, estes homens e estas mulheres,
diante do espelho da sua vida, cospem todos os dias na cara do que foram o
escarro do que são. Que um político do partido da direita, homem entre os
quarenta e os cinquenta anos, depois de ter levado toda a sua vida sob o guarda-
sol de uma tradição refrescada pelo ar condicionado da bolsa de valores e
embalada pelo zéfiro vaporoso dos mercados, tenha tido a revelação, ou a simples
evidência, do significado profundo da mansa insurgência da cidade que está
encarregado de administrar, é algo digno de registo e merecedor de todos os
agradecimentos, tão pouco habituados estamos a fenómenos desta singularidade.
Não terá passado sem reparo, por parte de leitores e ouvintes especialmente
exigentes, a escassa atenção, escassa para não dizer nula, que o narrador desta
fábula tem vindo a dar aos ambientes em que a acção descrita, por outro lado
bastante lenta, decorre. Excepto o primeiro capítulo, em que ainda é possível
observar umas quantas pinceladas adrede distribuídas sobre a assembleia
eleitoral, e ainda assim limitadas a portas, lucernas e mesas, e também se
exceptuarmos a presença do polígrafo ou máquina de apanhar mentirosos, o
resto, que já não é pouco, passou-se como se os figurantes do relato habitassem
um mundo imaterial, alheios ao conforto ou ao desconforto dos lugares onde se
encontravam, e unicamente ocupados em falar. A sala onde o governo do país,
por mais que uma vez, acidentalmente com assistência e participação do chefe do
estado, se reuniu para debater a situação e tomar as medidas necessárias à
pacificação dos ânimos e à tranquilidade das ruas, terá com certeza uma grande
mesa à volta da qual os ministros se sentavam em cómodas cadeiras estofadas, e
em cima da qual era impossível que não houvesse garrafas de água
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mineral e copos a condizer, lápis e esferográficas de cores diversas, marcadores,
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